Aluna Premiada
Categoria A (2.º Ciclo):
Maria Rodrigues – n.º 20, turma 6.º1, Escola Básica João de Barros
Oceanos de Emoções
A Amélia adorava o mar. Desde pequena que sentia uma ligação com as ondas, como se estas lhe sussurrassem segredos antigos. O seu nome não fora escolhido ao acaso. Os seus pais batizaram-na assim em homenagem à Rainha Amélia de Portugal, uma figura nobre e marcante da história do país. Embora a rainha não fosse especialmente conhecida pelo seu amor ao mar, o seu nome ficou ligado às águas através do Iate Real “Amélia”, uma embarcação usada pela família real. Sempre que pensava nisso, a Amélia sentia que, de alguma forma, o oceano também fazia parte da sua identidade.
O avô da Amélia, um velho pescador, adorava contar-lhe histórias sobre os navegadores que exploraram oceanos desconhecidos, enfrentando tempestades e mares perigosos para descobrir novos lugares. Mas havia uma história que ele gostava de repetir mais do que todas as outras: a de Luís de Camões, o famoso poeta que escreveu sobre o mar como ninguém.
O avô dizia
que, para Camões, o mar não era só um cenário nos seus poemas, mas algo vivo,
cheio de mistérios e aventuras. O poeta viajou por mares cheios de perigos,
sobreviveu a naufrágios e enfrentou
tempestades assustadoras. Depois,
escreveu sobre tudo isso nos
seus poemas, como se quisesse que as suas palavras ficassem para sempre nas ondas.
O avô falava com tanta
emoção que parecia
conseguir ver, através do tempo, as viagens e desafios que Camões tinha
vivido.
Ela adorava ouvir essas histórias, e o mar tornava-se ainda mais especial ao pensar que este escondia segredos de navegadores e poetas. Mas nunca imaginou que, um dia, seria ela a viver uma dessas histórias.
Era uma tarde de outono e o céu estava coberto de nuvens pesadas e escuras. A Amélia caminhava pela praia deserta, sentindo os seus pés afundarem-se na areia fina e húmida. O vento soprava forte, e as ondas rebentavam com uma força incomum. Foi então que algo lhe chamou a atenção. No meio da areia molhada, meio enterrado, estava um velho livro de capa grossa, desgastada pelo tempo. A capa escura estava decorada com letras douradas, onde se podia ler com clareza: “Os Lusíadas”.
Pegou nele com cuidado, limpou os grãos de areia e abriu a primeira página. Assim que o fez, um arrepio percorreu-lhe a espinha. Algo naquele livro parecia diferente...como se tivesse vida própria. As palavras moviam-se ligeiramente, dançando ao ritmo das ondas que rebentavam na praia. A Amélia passou os dedos sobre as letras, e, nesse instante, sentiu um puxão forte, como se fosse sugada pelo próprio livro. O mundo à sua volta dissolveu-se num turbilhão de espuma e vento.
Quando abriu os olhos, já não estava na praia. Estava num navio. O cheiro a sal e a madeira molhada invadiu-lhe os sentidos. Marinheiros de roupas antigas corriam de um lado para o outro, puxando cordas e ajustando as velas. O barco balançava violentamente sobre ondas gigantescas, e trovões ressoavam no céu escuro. A Amélia tentou mover-se, mas sentia-se tonta e desorientada. Foi então que viu um homem de olhar profundo, barba espessa e uma expressão determinada.
Ele segurava um livro contra o peito como se aquele fosse o seu bem mais precioso. Não podia ser verdade. Estava no século XVI, no meio de uma tempestade a bordo de um navio que enfrentava a fúria do oceano, ao lado do poeta mais famoso de Portugal. Camões estreitou os olhos ao vê-la ali, no meio do convés molhada pela tempestade.
- Quem és tu? Como vieste aqui parar? – Perguntou, segurando
o livro contra o peito, intrigado com a presença inesperada
da menina.
A Amélia sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo. O vento forte, o cheiro
a sal o barulho das ondas a bater no casco do navio... tudo parecia real de
mais para ser um sonho. Mas como poderia explicar aquilo? Como dizer a Luís de
Camões que, momentos antes, estava
numa praia do futuro e agora estava ali, no seu navio,
no meio de uma tempestade?
- O meu nome é Amélia, mas... eu não faço ideia de como vim aqui parar! – Conseguiu
responder ainda ofegante.
Camões
franziu a testa,
sem desviar o olhar dela.
- Perdeste-te no mar? Caíste
de alguma embarcação?
A Amélia
abanou a cabeça tentando encontrar
sentido naquilo tudo.
- Não!
Eu estava na praia... encontrei um livro... o seu livro! – apontando para o exemplar
de “Os Lusíadas”, que o Camões segurava. - Toquei nele e ... houve um clarão!
Como se uma onda me tivesse engolido... e, de repente acordei aqui!
O poeta ficou
em silêncio por um instante. Observava-a com curiosidade, mas sem medo, como se
já tivesse ouvido histórias tão fantásticas quanto aquela. Depois, um sorriso
leve surgiu no canto dos seus lábios.
- O mar tem segredos que poucos compreendem. – disse, num tom enigmático. – Talvez te tenha trazido até mim porque precisas de ouvir a sua história...ou talvez, porque ele tenha decidido contar-te a tua própria história.
Antes que a Amélia pudesse
responder, um estrondo fez o navio tremer. Uma onda monstruosa ergueu-se
à frente deles,
ameaçando engolir o barco inteiro.
Os marinheiros gritaram e
agarraram-se ao que puderam. O coração da Amélia batia descontroladamente. Mas
Camões manteve-se firme.
- Não temas!
Já vi o mar desafiar
os mais corajosos, mas também sei que ele guarda
surpresas boas.
A tempestade rugia à volta deles, mas as palavras do poeta tinham uma
força estranha, quase mágica.
No instante seguinte,
a onda desabou sobre o navio, e tudo se apagou.
A Amélia acordou com o rosto
molhado. Estava deitada na areia da praia, e o sol começava a espreitar entre as nuvens.
O seu coração ainda batia
acelerado. Sentou-se devagar,
tentando recuperar o fôlego, e olhou para as mãos.
O livro ainda
lá estava. Abriu-o com pressa e
folheou as páginas rapidamente. Tudo parecia normal, os versos estavam como
deviam estar... até que os seus olhos se fixaram numa estrofe que nunca tinha
lido com verdadeira atenção antes. O coração começou a bater mais rápido ao
reconhecer as palavras de Camões, como se agora fizessem um sentido
completamente diferente:
“Por mares
nunca de antes
navegados, / Passaram
ainda além da Taprobana.”
Ela leu a frase
várias vezes. Sentiu um calafrio ao perceber que, de certa forma, também ela
tinha atravessado mares desconhecidos, viajado além do que algum dia imaginara
ser possível.
Fechou o livro
devagar e olhou para o horizonte. O mar agora estava calmo como se tivesse
cumprido o seu papel. Talvez tudo tivesse sido um sonho...ou talvez, naquele
dia, o oceano tivesse escolhido contar-lhe um dos seus segredos.
Trabalho realizado por: Mariçaí